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11 de Fev de 2025
Britânico leva artesanato de indígenas ao mercado de luxo sustentável
Cameron Saul capacita tribo na Amazônia e mulheres nas periferias de SP e BA para gerar renda com acessórios feitos de sementes, lixo plástico do oceano e metal de armas desativadas
Victória Pacheco
11/02/2025
Cameron Saul, 43, cresceu rodeado de luxo. Filho do fundador da grife britânica Mulberry, ele acompanhou de perto o desenvolvimento de diferentes linhas da marca conhecida por suas bolsas de couro de alto padrão.
Foi durante um voluntariado de nove meses em Uganda que o então jovem de 19 anos enxergou a oportunidade de unir indústria da moda e cultura tradicional. A ideia surgiu quando ele se deparou com uma bolsa de material reciclável vendida em uma feira de artesãos.
Feito com tampas de garrafas e arame, o item serviu de inspiração para a campanha de marketing mais bem-sucedida da história da grife, que incorporou alças e um fundo de couro colorido ao modelo original.
Batizada de Mulberry Bottletop, a ação teve o propósito de conscientizar sobre a prevenção do HIV e arrecadar recursos para instituições filantrópicas durante epidemia de Aids no continente africano, em 2002.
"Ao longo da vida, vi clientes passarem bolsas de geração em geração porque tinham uma ligação emocional com elas. Percebi que essa conexão poderia ser ferramenta poderosa para educar o público sobre questões sociais e ambientais", afirma Saul, em entrevista concedida à Folha em sua última passagem pelo Brasil.
Endossada por figuras como o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, a campanha levantou mais de £ 250 mil (aproximadamente US$ 375 mil, à época) com as vendas dos produtos.
A iniciativa ainda preparou o terreno para a Bottletop, marca de moda sustentável de luxo criada pelo empreendedor e por seu pai naquele mesmo ano.
Atualmente, a grife conta com uma fundação homônima que desenvolve projetos de capacitação e geração de renda para indígenas e mulheres da periferia, no Brasil, e sobreviventes de tráfico humano, no Nepal.
Entre as ações em território brasileiro está um ateliê no coração da floresta amazônica, inaugurado em 2022, onde indígenas do povo Yawanawá, no Acre, recebem treinamento, materiais e equipamentos para fabricar pulseiras a partir de sementes de açaí.
O trabalho é realizado em parceria com a Associação Sociocultural Yawanawá, entidade indígena que representa os interesses de mais de dez tribos do alto do Rio Gregório, no município de Tarauacá.
"Após a secagem, os frutos são colocados em uma máquina para que as cascas sejam removidas. Em seguida, eles são perfurados com brocas de dentista nas estações do ateliê, para se chegar até as sementes. Esse processo delicado envolve diversas etapas e é totalmente circular, já que o suco é aproveitado pelos indígenas", explica o britânico.
Em 2023, o ateliê fabricou sua primeira linha de pulseiras para a campanha #TogetherBand, promovida pela marca desde 2019 junto à Fundação da ONU para conscientizar sociedade e poder público sobre os 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).
Até o momento, a ação arrecadou mais de US$ 2 milhões para projetos de impacto ao redor do mundo com a venda de pulseiras feitas com materiais reaproveitados, incluindo metal de armas de fogo ilegais apreendidas e desativadas, plástico retirado dos oceanos e até satélites reciclados.
As armas são recolhidas por autoridades de países da América Central, como El Salvador. Mais de uma tonelada delas e 155 mil kg de plástico já foram usados para produzir os adereços.
Outro ateliê da Bottletop fica em Salvador (BA), onde mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica são treinadas e se especializam na confecção de bolsas e acessórios, empregando resíduos que vão desde lacres de latas até couro proveniente de cadeias produtivas com zero desmatamento.
A conexão de Saul com o Brasil teve início 2007, quando ele, que também é músico, veio ao país produzir o álbum "Sound Affects Brazil", parte de uma série de álbuns cujas vendas financiaram projetos da Fundação Bottletop.
"Desde minha primeira viagem, fiquei encantado pelo caldeirão cultural que é Salvador. No Mercado Modelo, vi mulheres transformando lacres de latinhas em acessórios, e comecei a pensar em formas de trabalhar com elas, usando moda e design para apoiar comunidades locais", conta Saul.
Em São Paulo, a marca se uniu à ONG Projeto Arrastão, que desenvolve programas sociais e pedagógicos para crianças, jovens e mães no bairro do Campo Limpo, com o objetivo de capacitar e empregar artesãs.
No Brasil e no Nepal, a Bottletop trabalha com um total de 52 artesãos e impacta uma média de cinco dependentes por trabalhador. Segundo a empresa, os salários dos artesãos variam, sendo ajustados ao custo de vida de cada localidade.
Os pagamentos possibilitam que eles "vivam com dignidade e atendam suas necessidades", trabalhando em meio período ou tempo integral, diz a marca.
No país asiático, a Bottletop mantém dois programas: um deles apoia mulheres resgatadas do tráfico humano e, outro, famílias vivendo nas ruas de Katmandu. "Criamos uma oficina onde essas pessoas desenvolvem habilidades artesanais como um caminho para reconstruir suas vidas", explica o empreendedor.
"Projetamos nossa cadeia de suprimentos para apoiar comunidades em situação de risco enquanto criamos produtos atemporais. As peças podem ser reinventadas a cada temporada, com novas cores e formatos, mas sua essência permanece sendo o impacto a longo prazo."
Na visão do britânico, em tempos de fast fashion, a moda deve servir de ferramenta para criar oportunidade econômica, e não para "sustentar cadeias de suprimentos que operam nos moldes de uma escravidão moderna."
"Quando marcas de fast fashion vendem produtos a preços assustadoramente baixos, alguém sempre paga o preço. Em geral, são os trabalhadores mal remunerados e o planeta. Esses itens feitos com materiais não biodegradáveis e de péssima qualidade foram projetados para se deteriorar rapidamente", ressalta ele, que recentemente participou da reunião anual do Fórum Econômico Mundial, na Suíça.
Além de investir no desenvolvimento de alternativas de materiais recicláveis para tornar produtos sustentáveis mais acessíveis, especialmente para a geração Z, o cofundador da Bottletop acredita ser necessário combater o greenwashing com maior veemência para que a moda sustentável tenha chance diante do fast fashion.
"Ter mais transparência é fundamental. Precisamos de melhores políticas globais para obrigar marcas a divulgarem a lista completa de materiais que compõem seus produtos e comprovarem que estão oferecendo salários dignos."
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