VOLTAR

Brasil tem de assumir suas responsabilidades globais

FSP, Mundo, p. A10
Autor: STEINMEIER, Frank-Walter
19 de Ago de 2015

Brasil tem de assumir suas responsabilidades globais
Ministro alemão das relações exteriores espera ambição do governo brasileiro em áreas como a política climática

Entrevista - Frank-Walter Steinmeier

JULIANO MACHADO EDITOR-ADJUNTO DE "MUNDO"

A comitiva alemã liderada pela chanceler Angela Merkel que chega a Brasília nesta quarta-feira (19) tem uma extensa pauta para as reuniões com o governo brasileiro, mas as negociações para a conferência da ONU sobre o clima, em dezembro, são um assunto prioritário para a Alemanha.
Em entrevista por e-mail à Folha às vésperas de embarcar para Brasília, o ministro alemão de Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, disse esperar do Brasil a mesma ambição que seu país tem apresentado em políticas para lidar com a mudança climática -ainda que o governo brasileiro não tenha estipulado uma meta de redução dos gases causadores do efeito estufa.
Steinmeier, 59, sabe que chega ao Brasil em um momento de turbulência política, mas vê o país como o parceiro mais importante da América Latina, independentemente do atual momento vivido pelo governo Dilma.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Folha - A menos de quatro meses da COP 21, a conferência da ONU sobre clima, em Paris, o Brasil ainda não estipulou uma meta de redução de gases causadores do efeito estufa. Uma vez que a chanceler Merkel está à frente dos esforços para cortar as emissões globais, ela cobrará da presidente Dilma uma posição mais clara? O que a Alemanha espera do Brasil nessa área?
Frank-Walter Steinmeier- Um tratado abrangente e ambicioso sobre o clima é um fator chave para um futuro sustentável de nosso planeta. Tanto o Brasil como a Alemanha precisam assumir suas responsabilidades globais. Queremos desempenhar um papel de liderança no caminho para uma conferência do clima exitosa em Paris em dezembro.
Atualmente estamos trabalhando numa declaração conjunta de intenções com relação à COP 21. A Alemanha está fortemente empenhada em contribuir para todos os elementos do acordo da COP 21 -descarbonização [transição para uma economia baseada em energia limpa], adaptação, finanças do clima. A "Energiewende" (transição energética) alemã se tornou sinônimo de reformas ambiciosas para alterar de forma fundamental nossa abordagem à produção e ao consumo de energia de um modo sustentável. Estou certo de que o Brasil não vai ser menos ambicioso.
Qual será a estratégia alemã em Paris para evitar um fracasso como o de 2009, na COP de Copenhague?
Nossos anfitriões franceses tomaram a decisão de entrar muito cedo na fase decisiva de pré-negociações. Estou convencido de que essa é a forma certa de abordar estas questões. Paris conta com nosso apoio inequívoco. Sente-se um ambiente construtivo e positivo na fase de preparação da conferência e um compromisso geral com a liderança política -tal como foi o caso na cúpula do G7 na Alemanha em junho passado. Precisamos garantir que a dinâmica positiva vá ajudar a fazer progressos substanciais durante as negociações propriamente ditas.
O sr. e a chanceler Angela Merkel chegam ao Brasil em um momento de instabilidade política no país. Como o governo alemão tem visto a situação brasileira?
Nossas relações bilaterais profundas e amigáveis são antigas. Os primeiros imigrantes alemães chegaram ao Brasil há quase 200 anos. Empresas alemãs começaram a se instalar no Brasil há 150 anos. O Brasil, e São Paulo em particular, se tornou desde então uma das mais importantes bases da indústria alemã fora da Alemanha, um importante polo de know-how, engenharia e design alemães.
Esse exemplo é a melhor forma de ilustrar que nossas relações bilaterais são marcadas por uma perspectiva de longo prazo. Nossa relação se assenta em um fundamento de confiança mútua e valores compartilhados. O Brasil é e continuará sendo nosso parceiro mais importante na América Latina -independentemente dos desafios atuais que a política interna brasileira esteja enfrentando. Uma parceria Brasil-Alemanha fortalecida não é só de nosso interesse comum, mas também local e global.
Quais são os principais temas que a comitiva alemã colocará na mesa neste diálogo bilateral em Brasília?
O fato de o governo alemão atravessar o Atlântico para visitar o Brasil e realizar as primeiras consultas intergovernamentais com nossos parceiros brasileiros em Brasília é uma expressão forte e globalmente visível de nossa parceria estratégica com o Brasil. São poucos os países da Europa, e ainda menos os países fora das fronteiras europeias, com os quais a Alemanha tem um relacionamento tão intenso.
Como atores importantes em suas respectivas regiões, a Alemanha e o Brasil desejam intensificar a cooperação e o intercâmbio em temas internacionais, tal como foi quando, recentemente, conseguimos um consenso para nossas resoluções teuto-brasileiras sobre privacidade na internet, na ONU.
Vamos também refletir sobre o futuro das missões de manutenção da paz, a promoção de questões de direitos humanos e o fortalecimento da segurança marítima.
Essas consultas vão também dar à nossa cooperação bilateral uma dinâmica importante. A Alemanha e o Brasil vão intensificar sua cooperação, atualmente já bastante forte, nas áreas de ciência, tecnologia e educação. Permita-me mencionar alguns exemplos: vamos assinar um acordo-quadro sobre cooperação intensificada em pesquisa e ciência.
Desenvolvemos acordos de projeto para o Observatório da Torre Alta da Amazônia [uma estrutura de 325 metros no meio da floresta, em São Sebastião do Uatumã (AM), que servirá para estudar a interação entre a mata e o clima]. Queremos criar novas oportunidades para jovens brasileiros que desejam aprender alemão em escolas no Brasil. Vamos nos debruçar sobre planos para um Centro de Estudos Alemães e Europeus no Brasil. Queremos estabelecer um quadro novo para cooperações futuras em desenvolvimento urbano, incluindo gerenciamento de água, energias renováveis, eficiência energética e transporte público.
Além da crise econômica, a Grécia tem sofrido com o fluxo maciço de imigrantes tentando chegar à Europa. A Alemanha tem planos de ajudar financeiramente os gregos nesse caso?
A situação de milhões de refugiados fugindo de guerras civis e instabilidade política no Oriente Médio e na África é verdadeiramente dramática. O aumento drástico do fluxo de refugiados chegando à costa europeia é um enorme desafio à nossa humanidade e solidariedade. É verdade que a Grécia está sendo muito afetada pela chegada de refugiados. A solidariedade é uma importante pedra angular da ideia europeia, e isso se aplica particularmente ao caso da Grécia, que acabou de começar com a implementação de mais reformas exigentes, profundas e abrangentes.
Precisamos e iremos apoiar a Grécia nesta questão. É nossa obrigação moral oferecer abrigo àqueles que fogem da guerra e da opressão. A própria Alemanha se tornou um porto seguro para centenas de milhares de refugiados.
Não há nenhum país fora da região que tenha aceitado mais refugiados da Síria do que a Alemanha. Prestamos apoio aos refugiados na Grécia por meio das missões do Acnur [agência de refugiados da ONU] e da Cruz Vermelha, mas é nítido que é preciso fazer mais. Estamos em diálogo com o governo grego sobre canais de apoio adicionais.
Com o mundo em turbulência e em busca de uma nova ordem, temos de nos conscientizar de que grandes fluxos de refugiados são um desafio com que teremos de lidar durante décadas. É certamente uma das questões mais urgentes do nosso tempo. Temos de cooperar não só em nível europeu mas também em âmbito global.
Um elemento fundamental é certamente abordar as causas subjacentes da migração, melhorando a situação nos países de origem e de trânsito.

Raio-X - Frank-walter Steinmeier
NASCIMENTO
5.jan.1956, em Detmold, na Renânia do Norte-Vestfália
FORMAÇÃO
Direito pela Universidade Justus-Liebig, em Giessen
CARREIRA
Ministro das Relações Exteriores de 2005 a 2009 e desde dezembro de 2013
Líder do SPD (Partido Social-Democrata) de 2009 a 2013

FSP, 19/08/2015, Mundo, p. A10

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/230018-brasil-tem-de-assumir-sua…
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/230019-raio-x-frank-walter-stein…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.