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'Brasil é o paraíso dos ricos e o inferno dos pobres' , diz Viveiros de Castro

Guia Folha - www.guia.folha.uol.com.br
Autor: Mariana Marinho
28 de Ago de 2015

"Me tratem como um artista morto." Esse foi o pedido feito pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro aos curadores e escritores Eduardo Sterzi e Veronica Stigger quando eles tiveram a ideia de criar, há três anos, "Variações do Corpo Selvagem: Eduardo Viveiros de Castro, Fotógrafo".

É da dupla a ideia e a concepção da exposição, que estreia neste sábado (29) no Sesc Ipiranga e apresenta cerca de 400 imagens de Viveiros, considerado um dos mais influentes antropólogos brasileiros.

Professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele elaborou em meados dos anos 1990 a ideia do perspectivismo ameríndio, que trata, em linhas gerais, dos diferentes entendimentos do "humano" para índios e ocidentais.

Dois períodos da trajetória fotográfica de Viveiros compõem a seleção: a década de 1970, quando trabalhava como fotógrafo de cena do cineasta Ivan Cardoso, e os anos 1970 e 90, nos quais registrou os índios Araweté, Yanomami, Yawalapiti e Kulina.

Para Viveiros, seus cliques não têm caráter etnográfico. "Simplesmente fotografava para meu próprio deleite", diz. Porém, utilizando o "corpo" como denominador comum, a curadoria estabeleceu um diálogo entre as duas épocas de imagens e entre a produção fotográfica de Viveiros e sua obra teórica.
Dividida em quatro núcleos temáticos que extrapolam os limites do Sesc -o parque da Independência e comércios do entorno também servem de espaço
expositivo-, a mostra é conduzida por trechos de entrevistas e de textos escritos pelo antropólogo.

Também há uma programação de shows, performances e um seminário que segue até novembro.

A seguir, confira entrevista com Eduardo Viveiros de Castro. Confira dicas e destaques da mostra aqui.

Sesc Ipiranga - r. Bom Pastor, 822, Ipiranga, região sul, tel. 3340-2000. Ter. a sex.: 8h às
21h30. Sáb.: 10h às 21h30. Dom.: 10h às 18h30. Até 22/11. Livre. GRÁTIS

GUIA - O corpo é o fio condutor da mostra. O senhor pensava nessa questão da corporalidade enquanto fotografava?

Eduardo Viveiros de Castro - Mesmo quando estava pensando nisso, não estava pensando. Fotografava para meu próprio deleite. Foi a curadoria que fez essa conexão com meu trabalho antropológico. O corpo tem um peso simbólico muito forte no pensamento indígena, as tribos se distinguem corporalmente. Já nós [ocidentais]achamos que o que nos distingue é o que temos em nossa mente, a nossa cultura. Esse corpo selvagem [do título] não é no sentido pejorativo, mas sim de formas não canônicas de experimentar o corpo, que é uma experiência universal.

Quando estava nas comunidades indígenas o senhor tinha alguma cautela na hora de fotografar ou eram necessárias condições específicas para que a fotografia acontecesse?

Nenhuma das fotos é posada. Em algumas, eles [os índios]pediam para serem fotografados ou faziam alguma brincadeira comigo. O que as fotos implicavam era numa certa familiaridade e intimidade deles comigo. Além de levar o caderno, eu sempre estava com a câmera pendurada no corpo, então ela já era parte da presença daquele branco estranho entre eles. Ela era parte do meu corpo, já que estávamos falando em corpo.

Algum personagem das imagens te marcou mais?

Um índio Araweté [Toyi, foto na página], que foi meu principal professor da língua e companheiro constante. Ele tinha minha idade e faleceu recentemente. Por enxergar pessimamente e não poder ficar caçando, ele tinha tempo para perder comigo. Foi uma pessoa a quem fiquei muito ligado, mas que quase não fotografei. Talvez por ele estar tão perto de mim.

Ao olhar as fotografias, o que elas lhe remetem ou transmitem de mais potente?

Hoje praticamente não faço mais pesquisas de campo. Nos últimos 15 anos estive focado em formar novos pesquisadores e também parei de fotografar. Só faço fotos de família e de flor no jardim, com uma câmera vagabunda.

E coloca no Instagram?

Comecei a usar há pouco, após ir ao Nordeste. Era uma região que não conhecia, sempre trabalhei na Amazônia. Fotografei um pouco, mas sempre com uma câmera de média qualidade. Não tenho mais essa atividade regular [como fotógrafo]. Por isso digo que a exposição é de um artista morto, ou pelo menos póstumo.

E o senhor não pensa em fotografar novamente?

Gostaria de voltar ao Nordeste e passar certo tempo lá. É um plano que tenho em mente.

No último espaço da mostra, o tema é, em particular, o índio como especialista em sobrevivência. De que maneira?

O Brasil é o paraíso dos ricos e o inferno dos pobres. Entre o inferno e o paraíso há a terra, que é dos índios -no sentido histórico e por eles serem os verdadeiros conhecedores dela. Temos que parar de tentar levar as pessoas do inferno para o paraíso. É necessário olhar para a terra. Vejo os índios como representantes do que poderíamos ter sido, mas não fomos. Eles são gente cujo mundo acabou e conseguiu, a duras penas, sobreviver. Minha ideia para o futuro não é que todos nós devemos voltar a ser índio, mas olhar para eles e imaginar uma civilização que possa ter uma relação com suas condições de existência que não seja tão estúpida e suicida como a nossa.

http://guia.folha.uol.com.br/exposicoes/2015/08/1674441-brasil-e-o-para…

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