VOLTAR

Ataques e pressões não vão inibir a fiscalização ambiental

FSP, Ciência, p. B7
Autor: ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de
22 de Nov de 2017

Ataques e pressões não vão inibir a fiscalização ambiental

RUBENS VALENTE
DE BRASÍLIA

Os recentes ataques a veículos e prédios do Ibama na Amazônia Legal, aliados a pressões políticas, não vão conseguir parar as operações de fiscalização, afirma a presidente do órgão, Suely Araújo, 55. "Os ataques são um teste para saber até onde eu consigo ir com a força da ilegalidade. Acho fundamental que o Estado mostre que o Brasil é terra com lei, que o Brasil não aceita esse tipo de postura e reage a isso."
A Amazônia tem vivido uma escalada de violência contra o Ibama nos últimos meses, com pelo menos três ataques incendiários. Foram queimados uma carreta com oito camionetes do órgão ambiental na rodovia BR-163 (MT) em julho; prédio e carros em Humaitá (AM), em outubro, o que forçou a retirada em fuga de 12 servidores, e uma camionete em Colniza (MT) no último dia 8.
Na entrevista a seguir, concedida na sede do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), em Brasília, Suely Araújo também responde às críticas pela destruição de equipamentos apreendidos.

Folha - Houve redução no número de operações de fiscalização?
Suely Araújo - Não. Nós temos um planejamento anual para operações de fiscalização que previa, para 2017, cerca de 1,4 mil operações e elas estão sendo cumpridas. A gente nunca atenuou o ritmo das fiscalizações, na verdade o tornamos ainda mais forte, inclusive indo a campo em época de chuva, o que não era usual.

De onde partiram os ataques ao Ibama e com qual objetivo?
Na Amazônia, a cara da fiscalização é a cara do Ibama. Não que os Estados estejam completamente ausentes, mas o que predomina são as nossas operações. Assumimos a Amazônia como área prioritária porque sabemos que os órgãos estaduais têm dificuldades de controle e porque o Brasil tem compromissos internacionais diretamente relacionados com a manutenção do controle do desflorestamento da Amazônia.
O nível de irregularidades é alto, principalmente em extração ilegal de madeira e garimpo ilegal. Há garimpos gigantes. Desde outubro ou novembro do ano passado acho que se reforçou essa imagem do órgão: 'É o fiscal do Ibama que vem aqui atrapalhar essas atividades'. Que, na verdade, são crimes. [Os atentados] são uma reação direta a uma atividade forte de repressão aos atos criminosos. É assim que eu leio.

O que se pretende com esses atos?
Que as nossas atividades sejam reduzidas. E nós não vamos reduzi-las. Não é esse tipo de ato criminoso, de queimar camionetes, de ameaçar nossos homens -homens e mulheres, aliás. Mulheres, temos umas poderosas, a Malu, Maria Luiza, que é gerente em Santarém, permanentemente ameaçada de morte e não quer sair de lá nem a pau. Sou fã declarada da Malu. Ela gosta de estar lá, de estar na ponta combatendo.

Os ataques são um teste para o Estado?
São um teste para saber até onde eu consigo ir com a força da ilegalidade. Acho fundamental que o Estado mostre que o Brasil é terra com lei, que o Brasil não aceita esse tipo de postura e reage a isso. Acho que nenhum governo pode ficar omisso na resposta a esse tipo de atitude. Para mim é obrigação do poder público responder.

Como deve ser essa resposta?
No nosso ponto, a gente está tentando continuar o trabalho. Essas áreas onde ocorreram os ataques já eram prioritárias na fiscalização e vão continuar sendo. Estamos olhando para elas agora com uma atenção ainda mais especial, com toda a segurança que a gente conseguir dar aos nossos homens, porque isso é fundamental. A gente vai continuar indo para essas regiões todas e o Ibama vai continuar estando presente lá, não tenha dúvida disso.

Em Humaitá, políticos e garimpeiros criticaram o Ibama porque houve destruição de equipamentos e barcos. Essa destruição vai continuar?
A destruição ocorre em apenas 2% das nossas operações no país. Toda destruição é relatada e analisada posteriormente nos processos. Ela tem base legal, o decreto de 2008 que regulamenta a lei de crimes ambientais. É feita em situações bastante específicas e pré-determinadas. Se eu não fizer isso, para onde vou levar esse equipamento?
Às vezes não tem nenhuma estrada. Há casos em que o Ibama sai dirigindo o equipamento do infrator e, no caminho, leva tiro. Quem tem o material destruído, pode entrar com um pedido de indenização. A gente, porém, nunca recebeu um pedido de indenização, em nove anos, e nunca houve decisão judicial contra o Ibama mandando devolver equipamento.

Ou seja, as destruições vão continuar?
Não quero dizer que nós vamos aumentar. Vamos continuar fazendo conforme o necessário e seguindo nossos regramentos internos. Elas são excepcionais. No caso de Humaitá, nós não íamos destruir. As balsas estavam sendo rebocadas mas o rebocador que tínhamos alugado foi destruído e a tripulação atacada.

Nesses casos vimos que o poder político local se mobilizou a favor dos madeireiros e garimpeiros...
É, as atividades ilícitas geram dinheiro para a economia local. Isso é fato.

Como recebe essa reação do poder político contra o Ibama?
Fico muito brava [risos]. Fico injuriada. Acho que o Estado, em qualquer de suas formas de representação, quaisquer que sejam os representantes, tem o dever de fazer a lei ser cumprida. Realmente eu não aceito. Acho uma inversão de valores inaceitável. Entendo toda a parte socioeconômica, da pobreza, em determinadas regiões do país.
Conheço bem a Amazônia, minha família é de Manaus, trabalhei anos no Pará. Gosto de ir a campo. Eu sei o que estou falando, sei das necessidades daquela população. Isso não significa que se possa aceitar atividade ilícita como manutenção da economia das comunidades. O que o poder público tem que fazer é dar alternativas de renda, criar programas que consigam ajudar aquela população a sair da ilegalidade.
Mas isso não é com o Ibama, essa é a questão. O Ibama é um órgão de fiscalização, é uma polícia ambiental. Eu não tenho outra coisa [a fazer].
Eu não vou deixar um rio ser acabado pelo garimpo porque eu acho que tem população de baixa renda precisando fazer garimpo.

Essa reação do poder político local cresce e chega até a sra.? Recebeu muitas reclamações e pressões por essas ações?
Acho até esperado que prefeitos, parlamentares ligados às regiões, eles ligam, sempre 'vocês estão exagerando'. Eles fazem pressão, mas isso não...
Eu recebo, estou acostumada. Eu venho da Câmara dos Deputados, sou consultora legislativa de carreira, 27 anos de Câmara, estou acostumada a tratar com políticos em diferentes níveis. Lido bem com essa questão, de certa forma pode-se dizer que eles estão fazendo o papel deles, que é tentar transmitir o que a população lá esta demandando, sei lá.
Mas a resposta aqui é sempre muito firme: a legalidade é a barreira para tudo aqui. O Ibama não faz absolutamente nada que seja ilegal. A pressão pode existir, mas ela vai ficar existindo. Eu não vou deixar de fiscalizar porque há pressão política.

A sra. veio da Câmara. Não se sente decepcionada por não ver a bancada ruralista assumir um papel de defesa do ambiente?
A bancada ruralista é muito grande e tem parlamentares de todos os tipos. Não gosto muito de rotular como se todos tivessem o mesmo tipo de posicionamento. Assim como no agronegócio. Você tem produtores rurais de grande porte que seguem absolutamente à risca toda a legislação ambiental, principalmente os que mexem com agricultura de exportação.
Não sou muito amiga dos rótulos simplificadores, bem ou mal, bandido e mocinho. Tem parlamentares com os quais a gente tem mais atritos em virtude de uma visão de um desenvolvimentismo mais arcaica, mais tradicional, uma visão míope da importância da questão ambiental. Não assimila que a questão ambiental tem a ver com o próprio futuro de todas essas atividades agrícolas.
No trato aqui acho que temos até uma relação que não chega a atritos explícitos, as reuniões são até educadas, mas é o embate de uma visão que, no meu ponto de vista, é um desenvolvimentismo utilitarista. É a 'renda agora', e isso tem que ser questionado.
-
Raio-X
Nome
Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo, 55 anos
Trajetória
Consultora na Câmara dos Deputados desde 1991 na área ambiental. Preside o Ibama desde junho de 2016
Formação
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UnB (Universidade de Brasília) e em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília. Mestre e doutora em ciência política pela UnB

FSP, 22/11/2017, Ciência, p. B7

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/11/1937143-ataques-e-pressoe…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.