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Asfalto cortará área mais biodiversa da Amazônia

FSP, Ciência, p. A19
19 de Jun de 2006

Asfalto cortará área mais biodiversa da Amazônia
Obras na BR-319, de Manaus a Porto Velho, devem acompanhar criação de reservas
Pesquisadores planejam expedições neste ano para investigar ecossistemas da região e ajudar a apontar terras para preservação

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma região da Amazônia quase totalmente inexplorada e que provavelmente abriga a maior biodiversidade da região será cortada por uma rodovia asfaltada, com obras começando até o final deste ano.
A BR-319, que liga Porto Velho a Manaus , na verdade, já existe, mas é uma estrada fantasma. Concluída no final dos anos 1970, a via nunca recebeu manutenção, e hoje a maioria de sua extensão é intrafegável, com alguns trechos totalmente cobertos pela mata.
Preocupados com a possibilidade de deterioração ambiental no futuro próximo -algo comum sempre que se abre uma estrada na Amazônia- biólogos planejam quatro expedições ao local até o fim do ano.
"A ideia é fazer uma avaliação em um período curto para dar um salto de conhecimento, em vez de ter que correr depois atrás dos tratores e das motosserras para ver o que estamos perdendo", diz o biólogo Mario Cohn-Haft, um dos coordenadores do projeto Geoma, que levanta informação para a escolha de áreas de conservação e investiga a dinâmica demográfica da Amazônia.
Cohn-Haft, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), sobrevoou a área neste mês para determinar os pontos a serem explorados. A região entre os rios Purus e Madeira, onde está a BR-319, possui grande variedade de ecossistemas, com florestas de terra firme, bambuzais, matas alagáveis, campinas e serras. A região abriga também um enclave de cerrado mais bem preservado que as áreas conhecidas desse bioma no centro do país.
Cientistas têm bons indícios de que esse interflúvio (região entre rios) pode ser o mais biodiverso de todos ao redor do rio Amazonas. Já se sabe, por exemplo, que a região tem aves e primatas exclusivos da área. "Em geral a presença de algo novo e desconhecido é um bom indicador de que há muito mais para descobrir", diz Cohn-Haft.
Apesar do temor de ambientalistas, o governo diz que está tomando medidas para proteger o local. Desde janeiro as obras de asfaltamento estão embargadas para levantamento de informações que vão definir áreas de proteção. A região foi declarada área sob limitação administrativa provisória, onde ninguém pode desmatar nem construir nada até agosto, quando a medida expira.

Margens de segurança
Durante o embargo o governo faz o inventário das terras no local para combater a grilagem -já existe agropecuária avançando sobre a região- e deve anunciar medidas de proteção em seguida. "A perspectiva é de criar entre 7 milhões e 8 milhões de hectares de unidades de conservação, desde regiões próximas a Manaus até Boca do Acre", diz João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente.
O governo promete fazer um licenciamento nos moldes da BR-163, no Mato Grosso. Essa estrada percorre o centro de uma faixa de 100 km de largura, a zona de impacto da obra, onde é proibido desmatar.
A definição das áreas de proteção no interflúvio, que deve se dividir entre parques e áreas de exploração sustentável, deve se seguir ao debate com comunidades que já exercem atividade econômica na região.
"Só em Santo Antônio de Matupi, na região de Manicoré, há mais de 14 mil pessoas residindo", diz o deputado estadual do Amazonas Sinésio Campos (PT), que preside uma comissão para levantar demandas da população local. "Lá não existem grileiros. São agrovilas de pequenos produtores que precisam escoar sua produção."
Além da BR-319, há preocupação também com o impacto que podem ter o gasoduto Urucu-Porto Velho, que cruza a região, e a construção de duas hidrelétricas no rio Madeira, que podem viabilizar uma hidrovia.
"O licenciamento do gasoduto acompanha um bom conjunto de medidas de controle, incluindo áreas de floresta nacional", diz Capobianco. A hidrovia, por sua vez, não deve vingar. "Seria preciso construir três hidrelétricas, inclusive uma binacional com a Bolívia, coisa que o governo descartou."
Leia estudos sobre a ocupação da Amazônia www.geoma.lncc.br

FSP, 19/06/2006, Ciência, p. A19

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