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Autor: TÚLIO, Fernando
05 de Nov de 2024
Apagão climático em São Paulo
Avaliação da política climática local revela uma crise do modelo de planejamento, gestão e participação
Fernando Túlio
Lecturer no Departamento de Arquitetura da ETH Zurique (Suíça), mestre em gestão e políticas públicas pela FGV, doutor em planejamento urbano pela FAU-USP e diretor do Instituto ZeroCem
05/11/2024
O caos energético em São Paulo está ligado a eventos climáticos extremos, que serão cada vez mais constantes e afetam a população de forma desigual, de acordo com múltiplas vulnerabilidades. Mas, como cidade, estamos engajados em ações para endereçar as raízes do problema?
De um lado, as desigualdades são um dos motores das mudanças climáticas. Em cidades segregadas, onde a concentração de oportunidades é distante da localização da maioria das moradias, os deslocamentos diários são amplificados. Mais tempo e energia com transporte significam mais emissões de gases do efeito estufa, especialmente em cidades desenhadas para o automóvel.
Por outro lado, a crise ambiental também acentua as desigualdades. Os Planos de Ação Climática, instrumentos que orientam o enfrentamento às mudanças do clima, afirmam enfrentar esse desafio, mas a realidade é bem diferente. Essa foi a principal conclusão da análise dos dados do PlanClima de São Paulo, fruto do meu doutorado pela FAU-USP, recentemente publicado.
Considerando um cenário em que todas as ações para meios de transporte de baixo carbono previstas no plano fossem implementadas até 2040, as emissões seriam significativamente reduzidas. No entanto, as desigualdades de acesso ao transporte em função de raça e renda e relacionadas à primeira infância aumentariam: 10% na rede metroviária, 87% na cicloviária e 112% nos corredores de ônibus.
Mas estamos longe mesmo desse cenário. Apesar de a mobilidade urbana representar 60% das emissões, as ações capazes de reverter esse quadro não têm avançado. O Plano de Mobilidade da cidade, de 2015, havia previsto criar 300 km de novos corredores de ônibus até 2024; até agora, cumpriram-se 8% da meta.
Com as ciclovias o cenário não é diferente: a meta de alcançar a marca de 1.800 km até 2028 está cada vez menos factível. Do compromisso da gestão Covas/Nunes de implantar 300 km, somente 16% foi efetivado.
O metrô, de competência estadual -e que, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deveria ter quase o triplo da extensão atual-, segue sendo ampliado a passos lentos e sem um plano de longo prazo.
Esses atrasos também afetam a política urbana. Sem novos corredores e linhas de metrô, deixamos de reforçar novas centralidades urbanas, conforme previsto pelo Plano Diretor de 2014, recentemente desfigurado.
Ao contrário do que foi planejado, os recursos e obras públicas seguem priorizando o carro, especialmente em períodos pré-eleitorais. Com a estagnação das ações, aumentam emissões e a crise climática, conforme previsto no próprio PlanClima. Isso atinge desproporcionalmente as populações e territórios mais vulnerabilizados e agrava as desigualdades socioterritoriais, em um verdadeiro círculo vicioso.
Não há nenhuma esperança enquanto as medidas estabelecidas não focalizarem uma transição justa e não saírem do papel. Apenas 8% das ações regionalizáveis previstas pelo PlanClima foram concluídas. O sistema de monitoramento idealizado jamais foi implementado. Além do descaso político, o baixo índice de implementação revela os limites não apenas do modelo de planejamento vigente mas de gestão e participação social.
É imperativo redesenhar as estruturas que sustentam o atual modelo urbano, tóxico e injusto. Precisamos adotar medidas de mobilidade sustentáveis mais ousadas e regionalmente equilibradas e fazer o mesmo para os demais setores do PlanClima, como adaptação, geração de energia renovável e gestão de resíduos.
O modelo atual de planejamento precisa contar com novas formas de deliberação cidadã, com evidências sobre impactos ecológicos, sociais e econômicos, e com mecanismos que vinculem as ações planejadas à sua implementação -como já foi feito com o orçamento participativo.
O Brasil tem potencial para liderar esse movimento, abrindo caminhos para uma regeneração democrática verde nas cidades.
A cada nova gestão paulistana o PlanClima deve ser atualizado. Sem o acompanhamento efetivo da sociedade, dificilmente evitaremos novos planos-discurso e apagões climáticos.
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/11/apagao-climatico-em-sao-p…
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