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Amazônias: a marginalidade de territórios 'inventados' e esquecidos

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/
Autor: LIVEIRA, Beto; SANTOS, Yago
08 de Out de 2024

Amazônias: a marginalidade de territórios 'inventados' e esquecidos
Imaginário colonial não permite que as diversas vozes amazônidas sejam ouvidas no que diz respeito à crise climática

Beto Oliveira
Amazonense, é artista visual e pesquisa sobre encantarias quilombolas no Mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/UFAM), além de fazer parte do Coletivo Puxirum do Bem Viver, que atua pela justiça climática e socio

Yago Santos
É paraense, engenheiro ambiental, mestre em ecologia e técnico científico no Observatório da Torre Alta da Amazônia e no AmazonFACE. Também é ativista no Coletivo Puxirum do Bem Viver

08/10/2024

Quem vive na margem está sempre exposto, mas não aparece. As Amazônias e os amazônidas estão nas margens do Brasil. Aparecemos, mas não somos realmente conhecidos. Existe um imaginário sobre as Amazônias que é colonial, não autóctone. Sabe-se que protestamos e criamos, mas não nos escutam. Como diz Violeta Loureiro, a Amazônia é o Outro do Brasil. Pagamos diariamente o preço dessa invisibilidade.

É inegável a importância das Amazônias para o clima mundial. Mas absorver carbono e produzir chuvas não as isenta da crise climática. E em meio a diversos incêndios pelo país, os nortistas despertam pouca solidariedade. São Paulo, após quatro dias com a pior qualidade do ar do mundo, ganhou lambes com os dizeres "Capital da crise climática". Já Rio Branco enfrenta três meses entre as piores cidades do mundo em qualidade do ar, enquanto Manaus vive péssimos índices há quatro meses, além de uma seca que isola comunidades inteiras. Boa Vista também sofre com ondas de fumaça há mais de quatro meses.

Os "rios voadores" colaboram para essa catástrofe. Onde há transporte de umidade, há transporte de fumaça. Recentemente, imagens do corredor de fumaça que se estendia da região Norte ao restante do país viralizaram. O corredor não respeita fronteiras, mas as histórias, sim. Embora haja muitas narrativas sobre a crise climática, elas não alcançam muitos espaços além do Norte.

A diversidade amazônica, que nos leva a chamá-las no plural desde o início deste texto, forma um mosaico de centenas de povos, cidades, tecnologias, ecossistemas e histórias geológicas distintas. Dos Andes ao Marajó, existem inúmeras cosmovisões interligadas por um grande rio. Essa diversidade se reflete nos efeitos climáticos: aqueles que mais protegem a floresta são os que enfrentam a falta de água e o isolamento causado pelos rios secos, ou que estão migrando por conta dos incêndios.

Cada território tem suas particularidades socioculturais. Afuá, por exemplo, onde casas e ruas estão sobre palafitas, sofre com as secas e o avanço do mar, necessitando de estratégias diferentes de Manaus, uma das cidades menos arborizadas do Brasil, que conta com indústrias que dependem do transporte hidroviário. É crucial pensar nas Amazônias como um organismo complexo, desterritorializando o que se conhece sobre o bioma para reterritorializá-lo junto do seu povo.

Uma forma de combater o avanço colonial é demarcar territórios para povos originários, quilombolas e comunidades tradicionais. Mas, mesmo preservados, os territórios sofrem efeitos da crise climática. Em julho, a InfoAmazônia constatou que 92% das Terras Indígenas da Amazônia Legal estavam diretamente afetadas pela seca, com falta de alimento e água.

As Amazônias costumam ser vistas por números: de desmatamento, garimpeiros, poços de petróleo e níveis de rios. Suas vozes são pouco ouvidas. Indígenas, por exemplo, afirmam ter soluções para manter a biodiversidade, mitigar as mudanças climáticas e gerar mudanças sociais positivas. São pessoas que mantêm essa floresta há milênios e precisam ser consultadas para sua preservação. Se são as margens que protegem o centro, então as soluções para a crise climática estão nessas margens, que devem ser ouvidas. Não podemos viver sem as Amazônias, mas elas sozinhas não são suficientes.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/desigualdades/2024/10/amazonias-a…

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