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Agronegócio e corrupção devastam MT

FSP, Dinheiro, p. B1
Autor: ANGELO, Claudio
19 de Jun de 2005

Agronegócio e corrupção devastam MT
Fraude em órgão ambiental indica "aparelhamento" do Estado líder em desmatamento pelo setor produtivo

Claudio Ângelo

Corre em Cuiabá a seguinte anedota: toda vez que via alguém sair cabisbaixo da sede do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) com uma licença negada, o vigia do órgão dizia: "Não fique triste. Eu conheço uma pessoa que resolve o seu problema".

A piada é um reflexo sombrio do descontrole e da corrupção na política ambiental em Mato Grosso -e que explicam por que aquele Estado respondeu, sozinho, por 48% do desmatamento na Amazônia em 2003-2004.

De um lado, uma quadrilha instalada dentro do Ibama e desmontada no início do mês pela Operação Curupira, da Polícia Federal, dominou o "negócio" da madeira no Estado.

Do outro, um esquema de concessão fraudulenta de licenças ambientais pela recém-extinta Fundação Estadual do Meio Ambiente, a Fema, liberou produtores rurais e pecuaristas para "passar o correntão" -expressão local para o desmatamento- nas florestas e cerrados do Estado. É essa fraude, que só agora começa a ser investigada, que responde pelo grosso do desmatamento. "A máfia não é dos madeireiros. Ela tem ligação com o agronegócio", disse à Folha o procurador de Justiça do Meio Ambiente do Estado, Domingos Sávio Arruda.

A Fema era comandada pelo secretário do Meio Ambiente do governador Blairo Maggi (PPS), Moacir Pires, demitido no dia 2, quando teve prisão temporária decretada. Pires é irmão do vice-presidente do PFL mato-grossense, Jorge Pires, que preside a Associação dos Criadores de Mato Grosso, amigo e aliado de primeira hora de Maggi na campanha que o levou ao governo, em 2002.

Ambientalistas avaliam que a indicação de Pires para o cargo sinalizou o "aparelhamento" do Estado pelo agronegócio, representado no poder pelo próprio Maggi, seu secretário da Agricultura, Otaviano Pivetta, e o senador ruralista Jaime Campos (PFL).

"Cerrado denso"

Um sinal disso é um projeto de lei enviado pelo governo em abril à Assembléia Legislativa. O texto "extingue" as florestas de transição, objeto de uma polêmica entre o Estado e o governo federal por conta do total de desmatamento que pode ser autorizado em propriedades rurais ali -20% segundo a lei federal, 50% segundo a Fema- e "cria" a figura do cerrado denso, no qual o desmatamento de 50% seria autorizado.

Sob Maggi, Mato Grosso tem aproveitado suposto conflito entre legislações para desmatar 50% em áreas de floresta transicional (ecótono, ecossistema que marca a transição entre o cerrado e a floresta densa), estratégicas para a expansão da soja -incluindo as da região de Querência, nordeste do Estado, onde o governador tem terras.

Uma lei estadual de 1995 autoriza o corte raso em 50% das propriedades rurais nesse tipo de floresta. No entanto, em 2001, uma medida provisória alterou o Código Florestal Brasileiro, ao elevar a proteção do ecótono a 80% e manter uma tolerância maior ao corte em cerrados: só 35% deles ficariam como reserva legal. Pela Constituição, a lei federal tem prevalência sobre a estadual.

Os produtores rurais de Mato Grosso alegam insegurança com o fato de a lei federal ser uma MP, e ora se baseiam na lei estadual ultrapassada, ora simplesmente descumprem a legislação.

"Economicamente, como teremos condições de assumir uma reserva legal de 80%?, questiona Jorge Pires. Ele diz apostar que, se a MP for votada, o limite de 80% de reserva legal cairá.

O modo de interpretar a lei tem impacto econômico direto: a diferença entre averbar a reserva legal como cerrado ou floresta, para uma área de 10 mil hectares de soja, pode chegar a R$ 25 milhões.

A denúncia oferecida pela Procuradoria da República em Mato Grosso contra Pires, o ex-diretor de Florestas da Fema Rodrigo Justus e mais cinco funcionários do órgão lista oito casos em que a Fema licenciou grandes propriedades rurais dentro de terra indígena, averbou reservas legais de fazenda dentro de unidade de conservação de proteção integral e classificou floresta como cerrado.

Além disso, a gestão de Pires desmantelou o sistema de licenciamento ambiental de propriedades rurais do Estado, implantado em 2000 e que havia feito o desmatamento em Mato Grosso cair 36% em 2001 e 2002.

O sistema usava imagens de satélite das propriedades rurais licenciadas para monitorar a evolução do desmate de ano a ano. Caso fosse observada irregularidade, o fiscal da Fema já saía para campo com a multa pronta.

Em 2003 e 2004, a Fema parou de ir a campo. Em depoimento ao Ministério Público em maio, um fiscal do órgão disse ter recebido "ordens superiores" para não multar ninguém. Além disso, Pires suspendeu em 2003 o contrato com a empresa de sensoriamento remoto Tecnomapas, que fornecia as imagens, acusando-a de conluio com o governo passado.

"Nessa época eu comecei a ler Maquiavel", lembra o geólogo brasiliense Salatiel de Araújo, que presta serviço à Tecnomapas.

"Todas as investigações que iniciamos têm irregularidade", diz Arruda, que, com o interventor da Fema, Marcos Machado, reforma a política ambiental do Estado.

FSP, 19/06/2005, Dinheiro, p. B1

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